Archive for the ‘outonos’ Category
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Ainda o Outonos
Bem, vocês já sabem que o Outonos está de volta. Alguns podem não saber, no entanto, que eu não estava tendo acesso ao site pelo meu computador DE JEITO NENHUM, nem mesmo pelo navegador Mozilla. Foram dias de intensa irritação, pedindo a amigos que copiassem e colassem os comentários num documento do Word para que eu pudesse ao menos ler as belas palavras de estímulo dos amigos. Responder nem pensar.
Fiquei dependente de achar um computador vago nos laboratórios da Universidade para poder ler e comentar o meu próprio site! Até que, hoje, uma amiga blogueira do Rio Grande do Sul — a querida Dani — me deu uma pequena dica que resolveu o problema.
Bastava, disse ela, que eu digitasse o símbolo de “sustenido” — o famoso “jogo da velha” do teclado — depois de digitar o endereço do site. Lá fui eu:
http://www.outonos.com/#
E não é que funcionou?
Pois agora, além da lista de sites que funcionam como “proxy servers”, que está no blog Agonizando do Evandro, existe também esta opção meio mágica para tentar acessar o site e o novo blog Jardim de Alhures. Nem tudo está perdido.
E podem aguardar que tem mais novidade chegando no Outonos.
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O Unicórnio e o Caçador (Parte I)
Ela era um unicórnio diferente. As pessoas geralmente associam um unicórnio com paz e bem-aventurança, com cura e inocência. Ela, no entanto, era o unicórnio da inocência perdida, e tinha durante sua longa vida usado mais vezes seu chifre mágico como espada que como meio de cura. Sim, ela tinha matado e ferido. Nunca por opção, mas com o cerrar de mandíbulas e a determinação feroz de quem luta por aquilo que tem de mais precioso. Ela não se esquivava de derramar sangue, mas toda a vez lhe vinha o medo que o cheiro de sangue derramado deixasse de lhe subir às narinas como podridão e ficasse atraente. Ela tinha medo de se tornar o que mais odiava: de se tornar uma criatura que mata por prazer. Temia esquecer que era um unicórnio. Não encontrava há muito com outros de sua espécie, que haviam se recolhido do mundo sensível para evitar encontros com seres humanos modernos.
Os humanos haviam mudado muito, e já fazia centenas de anos desde que a última donzela virgem e pura de coração havia colocado uma guirlanda de flores em seu pescoço. Muito, muito tempo se passara. Hoje era raro encontrar donzelas de qualquer espécie, e as mulheres não sabiam mais fazer guirlandas. A maioria nem tinha mais jardim para plantar flores. Ela, no entanto, não conseguia abandonar tudo com a facilidade dos outros unicórnios, sentia-se presa ao mundo material por um amor desesperado, e vezes sem conta ela se perguntara se esta sua incapacidade não seria uma falha grave em seu espírito. Será que lhe faltava algo?
Ser um unicórnio solitário no mundo moderno fazia com que ela fosse arisca e temerosa. Poucos eram os lugares onde ela corria livremente. Na maior parte das vezes ela velava o sono das crianças escondida por trás do reflexo de prata da lua, e nem mesmo as crianças sabiam que ela estava ali. Não, nenhum humano podia vê-la mais, pois a reação de reverência e adoração dos humanos de outros tempos desaparecera. Agora, humanos de todas as idades eram predadores. Até as crianças bem pequenas, que em tempos remotos ao vê-la diziam “bonita!”, hoje usavam outras palavras, como “meu!” e “dá!”.
Ela estava só, totalmente só, sem iguais e sem amigos. Lentamente a tristeza tomava conta dela, e transparecia em todo o seu corpo. Ela já tinha sido da cor da areia mais branca quando bate o sol forte, agora sua pelagem tomava a cor amarelada do marfim antigo. Ela não tinha mais brilho e – se não fosse um ser imortal – poderíamos dizer que a velhice estava tomando conta dela. Mas não era velhice, não no sentido que os humanos ficam velhos, era cansaço. Cansaço de alma. Uma alma recoberta por anos de solidão e desencanto.
Não era natural nela fugir, se esconder, lutar e machucar. Ela era um ser que se deleitava na companhia de outros, na admiração que sabia suscitar. Um unicórnio era naturalmente vaidoso, e ela havia sido das mais vaidosas entre eles. Agora, quem se importava? Para quê manter-se bonita, se nem mesmo os animais a reconheciam mais? Se não haviam mais puros de coração, que soubessem quem ela era?
Depois de pensar muito, ainda incapaz de abandonar o mundo que tanto amava e onde vivera por tanto tempo, ela tomou uma decisão: se no mundo não cabia mais sua beleza, ela se sacrificaria por ele antes que a feiúra do mundo a transformasse em um arremedo de si mesma. “Melhor derramar meu sangue, para que seja sugado pela terra e transformado em vida, que tornar-me um espectro e lentamente desaparecer” pensava ela. E começou a buscar alguém que a reconhecesse pelo que ela era, e a ajudasse a fazer este último sacrifício.
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O Unicórnio e o Caçador (Parte II)
Ele não era caçador por gosto. Pelo contrário, tantas vezes o olhar de suas presas, enquanto sucumbiam, era rememorado em noites longas de insônia. Ele não era caçador por prazer, era por necessidade, e era dos melhores. Ele era um caçador moderno, um “executivo”, e caçava outros de sua espécie.
Em sua infância e juventude ele possuíra um espírito sensível como poucos, e isto era a causa de brigas constantes entre seus pais e ele. “Pare de sonhar, menino!” “Esta história de ficar em casa lendo romances já foi longe demais! Vá lá fora jogar bola!” A ladainha não tinha fim. Ele insistira com seus pais e tivera aulas de piano, mas o sonho de ser um concertista foi podado na raiz: “Música clássica uma ova! Isso é coisa de boiolinha! Você vai trabalhar na empresa do seu pai, e você sabe disso. Vá estudar administração. Piano é um bom hobby, elegante e refinado. E só.”
Com o passar do tempo, sua sensibilidade foi recoberta com camada após camada de cinismo, e ele descobriu que tinha uma armadura ao invés de uma alma. Por dentro, oco. Por fora, duro como uma rocha. Foi o primeiro de sua turma de administração, e levou a empresa de seu pai a um sucesso que nunca tivera. Ele era rico, famoso, conhecido como empresário impiedoso. Quanto mais impiedoso era, mais a sociedade o incensava e caía a seus pés, e mais ele se odiava.
Como uma espécie de autoflagelação, ele caçava também animais selvagens. Cada um deles que morria em suas mãos era uma faca cravada em seu coração, era mais um fantasma a percorrer o deserto da sua alma. Era como ele se castigasse pela traição à sua natureza verdadeira, matando a natureza a seu redor. E ele era bom neste tipo de caçada também. Caçara animais de todos os tipos, em todos os continentes. Tinha uma sala de troféus em sua casa, onde colocara seu piano. Enquanto ele tocava, os animais o fitavam com seus olhos de vidro. Vazios, como sua alma.
Ele caçava, e não sabia porque caçava, mas sabia que tinha que continuar caçando. Caçou uma linda mulher para ser mãe de seus filhos, caçou para eles as melhores escolas. Mas era um marido de coluna social e um pai de porta-retratos. Sua mulher e seus filhos não conseguiam furar a armadura, e não desconfiavam do deserto que havia lá dentro. A esposa se conformara com a vida de enfeite, e as crianças com a orfandade. Ninguém estranhava mais. Só ele sofria. E quando a dor estava a ponto de o destruir, ele ia para a sala de troféus e tocava piano. Ou partia para o mato para caçar.
Foi tocando piano no escuro, de madrugada, numa noite de lua cheia, que ela o encontrou pela primeira vez. Ele não a viu, a claridade da lua a escondia. Mas ela viu a morte nas paredes, e o tormento em sua música e em seus olhos. Ela entendeu que ali estava alguém que via a morte como ela. Alguém que entenderia quem ela era e o que ela queria. E o unicórnio decidiu que este seria o caçador que a abateria.
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O Unicórnio e o Caçador (Parte III)
A caça estava arisca naquele dia, e ele pensava num misto de alívio e ansiedade que voltaria naquele dia sem um troféu, quando ela surgiu do meio das árvores. Só a sua presença trincou sua armadura de cima a baixo. Os dois podiam ouvir sua alma estalando como geleira na primavera. Ela se pôs diante dele, linda, trágica, só, eterna. Ele estava diante dela, nú e amedrontado, mortal, efêmero. Os dois se amaram perdidamente.
O choque de vê-la fez com que ele caísse de joelhos. Os olhos dela se suavizaram com a reação, e ela tocou um humano pela primeira vez em centenas de anos. Um leve toque com seu chifre, como uma bênção. A armadura partiu-se em mil pedaços com um estrondo. Ele começou a chorar. Chorou muito, muito tempo. Chorou por cada animal que matara, por cada homem de quem tomara o pão, por cada sonho perdido, chorava não sabia mais porque. Era um dilúvio na sua alma. E ela pairava por sobre as águas.
Ela esperava, paciente. Sim, é assim que tem de ser, assim foi predestinado. Ela sabia. O amor dela por ele tornava o que estava por acontecer ainda mais sagrado. Num gesto de carinho, aproximou-se mais dele, e esfregou seu focinho aveludado no ombro curvado pelo choro. Ele agarrou-se a seu pescoço, desesperado, e chorou. Não poderia parar de chorar, nem se tentasse. E ele não queria parar. Um longo tempo depois, esgotado o pranto, ela sussurrou em seu ouvido: “Faça o que tem de fazer…”. Ele não conseguia falar, apenas sacudia a cabeça, exausto. Agarrado a ela. Não. Ela pediu: “Olhe para mim… Olhe em meus olhos.”
Ele abriu os olhos e ela deu um passo atrás. Perdera o tom amarelado, perdera a desesperança. Ela faiscava como um prisma, refletindo todas as cores, era toda luz branca. Ele temia ficar cego depois de tanta luz. Ela olhava dentro de sua alma e via os indícios de primavera ali também. “Vamos, amado, termine o que começou. Liberte-nos.”
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O Unicórnio e o Caçador (Final)
Ele não sabia de onde tirara forças para chegar em casa. Tinha uma sensação de afastamento, e imaginava estar com uma aparência de lunático. Achava que os filhos e a mulher gritariam de espanto ao ver a loucura e o sofrimento em seus olhos… e a luz. “Eles vão fugir de mim aos berros”, pensava.
O choque de tudo o que acontecera deixara-o anestesiado, e ele observava a si mesmo de uma distância, como se não fosse ele andando até o carro, jogando a mochila no banco do carona, girando a chave na ignição, tomando a direção da cidade. Num gesto automático, ligou o cd-player do carro. Era Mozart tocando. A música ajudou no resto do caminho.
A casa estava escura, as crianças estavam passando o final de semana na casa da avó materna. Tudo estava silencioso. Vagamente, ele se perguntou onde andava a mulher, mas um cansaço imenso o invadiu. Arrastou-se até o banheiro, tirou as roupas todas e entrou no chuveiro. Ficou lá, parado, deixando a água escorrer por uns 40 minutos. Depois enrolou-se num roupão atoalhado e caiu na cama ainda molhado. Dormiu.
Acordou com a mulher o sacudindo. “Você está se sentindo bem?” ela perguntava, meio desconfiada. Da outra dimensão onde ele se encontrava, ele olhou para a sua mulher, e ela nunca pareceu tão linda, tão maravilhosamente certa para ele. Ele olhava para ela encantado, como se nunca a tivesse visto antes.
“O que foi? Você está estranho…” ela perguntou alarmada. Ele sorriu, embevecido, e disse: “Eu amo você. Muito.” Puxou sua mulher para cima de seu corpo e a beijou. Como se fosse a primeira vez. Ela estava assustada, nervosa, depois surpresa. Havia muito tempo desde o último beijo, e ele nunca a beijara ASSIM. Quem era aquele homem que aparecia de repente de dentro de seu marido?
Depois do beijo, palavras. Ele apresentou à sua esposa tudo aquilo que ela não conhecia – sua alma – agora não um deserto, mas uma floresta onde habitava um unicórnio. Quando sentia a presença DELA, por entre as árvores, as lágrimas desciam. Por fim, as lágrimas de sua esposa também caíram, e eles passaram a noite toda se conhecendo novamente.
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Aftershock
Fui dormir dentro de uma bolha de dor. Mas a dor era tanta que eu estava anestesiada. Meu corpo e minha mente, no entanto, não vão permitir que eu passe por isso sem sentir. Ah, meu coração pediu tanto, implorou de joelhos, mas estes dois quando se juntam não tem escapatória: acordei com o corpo e a mente dotados de uma hipersensibilidade surreal. E aí, cada pontinha de dor eu sinto como um choque de alta voltagem. Paciência.
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