Archive for the ‘Olhares’ Category
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Trajetos
Desperto. Antes mesmo de abrir os olhos, sinto o peso do gato na perna. Como durmo de lado, geralmente virada para o lado direito, ao abrir os olhos vejo a janela do quarto e a estante logo abaixo dela, que guarda meu CD player e meus CDs. Passeio os olhos sonados pelas lombadas das capas, pensando se vale a pena colocar um para tocar, mas as playlists no computador me tornaram preguiçosa.
Viro de costas e o gato já sai correndo do quarto, prevendo a refeição que virá. Aos pés da cama, o armário, marfim e azul. Gosto deste tom de azul, um pouco mais acinzentado que o azul céu, mas claro o suficiente para ser repousante. Espreguiço e alongo, coisa que nunca mais deixei de fazer desde a terapia com RPG. É um ritual gostoso, meio felino, este de esticar.
Levanto. Ao lado da cama a bancada do computador e, perto da porta, meu oratório. Faço minhas orações da manhã, geralmente breves, porque há miados insistentes vindos da sala. A caminho do banheiro para outro ritual matinal, saúdo silenciosamente as fotos de família e os livros da estante do corredor. Da porta do banheiro, vejo os quatro gatos espalhados pelas cadeiras da sala, esperando atentos. Lavo o rosto e termino de despertar. Hora do café.
Faço o trajeto do corredor até a cozinha com escolta felina, dezesseis patinhas seguindo meus pés. Chego à pia e eles se posicionam: uma no banco, outra na prateleira, os dois machos na porta da sala. No caminho, claro, de quem quer colocar a mesa do café. Antes de tentar, desisto, e dou aos gatos o desjejum primeiro. Depois de quinze minutos de atividade frenética, posso finalmente sentir o prazer do cheiro de café sendo coado, arrumar a mesa e tomar uma caneca fumegante.
Geralmente não compro pão de manhã, sempre tenho algum estoque congelado. Isso me dá tempo de contemplar, sentada à mesa, a vista que tenho da janela, misto de bonita, com um pedaço enorme de céu e as árvores, e feia, suja pelos postes, fios e prédios de arquitetura duvidosa. O sol da manhã carioca costuma ser forte, e o céu muito azul, as tempestades são vespertinas. A passarada da Floresta da Tijuca sempre visita – as maritacas passam em bando aos gritos, os bem-te-vis discutem a relação nos fios de alta-tensão. Um deles, gorducho e folgado, gosta de pousar no meu aparelho de ar-condicionado e provocar os gatos; se eu levanto e me aproximo, voa rápido dali.
Depois determinar a segunda caneca de café, é hora de colocar a vida para rodar. Recolho a louça do café até a pia, arrumo o que tenho de arrumar, limpo o que tenho de limpar, sento ao computador para trabalhar. A minha rua geralmente não me dá bom dia, só um boa tarde meio ofendido pela falta de atenção matutina. Mas é uma rua que eu gosto, muito arborizada, antiga, às vezes o paralelepípedo aponta debaixo de um buraco no asfalto. É uma rua que mostra as gerações todas da Tijuca, com casas centenárias e prédios recém-construídos.
Descendo a rua em direção à rua principal, cumprimento sempre com o olhar a Casa de Maria Thereza. Esta, ao menos, é a informação em relevo (enquanto escrevo, não consigo lembrar se baixo ou alto), logo abaixo do beiral do telhado, junto com o ano 1914. A casa tem uma fachada estreita, mas como os terrenos na minha rua são fundos, pode parecer menor do que realmente é. É linda como uma casa de contos de fada, branca, varanda com pilares de pedra, as telhas antigas com múltiplas cores, um arbusto profusamente florido tombando por cima do muro alto, concessão da modernidade. Eu sempre me pergunto se aquela mensagem na alvenaria é uma homenagem de um marido amoroso, de um amante, de um filho saudoso, ou se havia ali algum tipo de lar assistencial num passado remoto. Namoro a casa e sigo adiante, porque a vida não espera a gente contemplar.
Chega o fim da rua, que é uma pequena amostra do que é morar no Rio. De um lado, o comerciante português e sua delicatessen. Do outro, o coreano com sua lanchonete. Em frente, do outro lado da rua principal, o clube judaico. Uns passos adiante, a imensa igreja do tempo do império. Ao lado do marco histórico, a saída (porque saída, se vou entrar? me pergunto sempre) do metrô.
E desce depressa, que o tempo não para nem espera.
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Lições aprendidas
I believe I can fly
Tenho estado ausente. Não ausente em espírito, simplesmente ocupada demais para sentar e escrever aqui algo que faça sentido escrever. Nunca fui de escrever no blog para cumprir agenda. Quando não tenho algo a dizer, simplesmente me calo, e meus leitores – os que ainda têm paciência de vir aqui espiar 🙂 – sabem que têm três anos de histórias para reler e relembrar. Assunto é que não falta!
Hoje, no entanto, tive vontade de passar aqui para dizer que está tudo bem. O tratamento de radioterapia de meu pai já se encerrou, o de quimio está na reta final. Ele se recupera lentamente, tanto do tratamento (sofrido, tudo isso… tonteiras, quedas, febre, falta de apetite, mau humor…) quanto, parece, do câncer. Estamos otimistas. Entretanto, não está tudo bem porque existe a possibilidade concreta de uma sobrevida longa e tranquila para ele; está tudo bem porque eu achei dentro de mim um centro de serenidade que nunca havia descoberto antes. Isto significa que, o que quer que aconteça, estará sempre tudo bem.
Esta fé na minha serenidade interior, esta certeza na minha capacidade de lidar com o que a vida me apresentar, é uma conquista importante, e algo que gostaria de dividir com vocês neste Natal que se aproxima. Aconteça o que acontecer na vida de cada um de vocês, lutar, ranger os dentes, ter revolta ou dar margem a desespero não resolve NADA. NUNCA. Silenciar e escutar a voz do coração, a Voz do Alto no canto mais sossegado da sua mente, isto ajuda muito.
Não tenho capacidade poética ou inspiração divina para escrever um Magnificat, como fez a Virgem; mas, pedindo ao Pernalonga emprestado uma musica bonitinha e despretensiosa do R. Kelly, e agradecendo ao Magic Johnson o exemplo, eu digo piscando o olho: eu REALMENTE acredito que posso voar!
Beijo, amo vocês. Volto no Natal!
“I Believe I Can Fly
I used to think that I could not go on
And life was nothing but an awful song
But now I know the meaning of true love
I’m leaning on the everlasting armsIf I can see it, then I can do it
If I just believe it, there’s nothing to itI believe I can fly
I believe I can touch the sky
I think about it every night and day
Spread my wings and fly away
I believe I can soar
I see me running through that open door
I believe I can fly
I believe I can fly
I believe I can flySee I was on the verge of breaking down
Sometimes silence can seem so loud
There are miracles in life I must achieve
But first I know it starts inside of me, ohIf I can see it, then I can do it
If I just believe it, there’s nothing to itHey, if I just spread my wings
I can fly
I can fly
I can fly, hey
If I just spread my wings
I can fly”
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