Archive for the ‘beleza’ Category
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Entrega
Nunca fui mansa. Não sou mansa hoje, duvido que um dia eu seja mansa. Desde cedo me criei só, testando minhas forças e minha resistência sem apoio e sem ajuda. Percorri a maior parte do caminho em companhia apenas do vento e de meus pensamentos. A quantos lugares belos e terríveis eu fui na companhia deles, mas de todos estes lugares eu voltei, inteira, para estar aqui.
Meu temperamento é afogueado e guerreiro, e é justamente este fogo e esta força que me tornam a mais fiel das companheiras, a mais leal das amigas. Percorro qualquer distância, trabalho e luto até meu coração estourar para ajudar aos que amo. Não há simplismo possível no meu caso, é tudo complexo e multicor. Nada é lugar-comum, nem minhas qualidades nem meus defeitos.
Tentaram, ao longo dos anos, me domesticar. Inútil. Sou indomada, não aceito arreio. A mão dura da conquista não me subjuga. Sou arisca, sou veloz e sou agressiva também. Ao menor sinal de cabresto eu empino, e se tentam o laço eu mordo e coiceio. A mão do afago e da paciência, por outro lado, me acalma. A nobreza e a força me atraem, a doçura me conquista, mas sempre quis os três, juntos. Não achando, caminhei sozinha.
Segui sendo de um equilíbrio delicado, instável, que se desfaz e se recompõe como os caleidoscópios. Doía, às vezes, ser quem sou, me perguntava se algum dia alguém viria ao meu encontro sem me examinar como a um carro usado, procurando defeitos, antigas batidas, razões para reduzir o preço da compra… Doía, porque não sabia se, mesmo diante do parceiro mais perfeito, eu saberia deixar de ser sozinha para ser um par.
Eis que chega o momento da entrega, o momento que eu imaginava com um pouco de tremor, e não, não há nada a temer. Ele existe, é nobre, é doce, passou por tantos lugares terríveis quanto eu, talvez lugares ainda mais escuros e assustadores. Ele é forte, mas em vez do arreio, ele me oferece a mão. Mão que eu posso deixar um instante para investigar algo ali adiante e depois retornar, segura de que espera por mim. Ele destila minha doçura e estimula minha docilidade, justamente porque ama minha força.
Agora é dele, é para ele, é por ele, cada batimento do meu coração.
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O que importa
Recebi um comment especial, infelizmente o WordPress ou a Sonia (a comentarista em questão) não vincularam o texto a um post, pelo menos eu não achei o link. O melhor mesmo, então, é simplesmente citar o comentário aqui:
Olá,
Faz uns meses que adicionei seu blog nos meus favoritos, pois havia gostado imensamente das suas mensagens, pois me identifico muitíssimo com elas. Perdi meu pai, também com o tal tumor, e dias depois, minha mãe teve um derrame, vindo falecer no ano seguinte.Eu nunca sofri tanto em toda a minha vida. Acompanhei meu pai no hospital e depois minha mãe que morava com a minha irmã.
Neste momento, estava eu olhando meus favoritos, onde tem muitas opões, de repente vi o seu blog, e entrei, e chorei novamente.
Gostaria de parabenizá-la pela maneira poética e ao mesmo tempo objetiva que escreves, e por toda força que teve e tem.
Um beijo carinhoso, de uma desconhecida que se sente ligada à você.Sonia, querida desconhecida, você entendeu errado, a força não é minha… É você que me dá esta força, quando me escreve, é um aluno que me diz que eu fiz diferença na vida dele, é um amigo que me abraça, é um estranho que me sorri. Eu simplesmente abro as asas e deixo o vento me levar.
Obrigada por existir, obrigada por escrever. Sinto muito que você tenha passado por estas perdas tão próximas uma da outra, imagino o quanto foi duro. Minha mãe morreu 20 anos antes do meu pai, os dois devido a complicações causadas por tumores. Nas duas ocasiões lá estava eu ao lado deles, tentando engolir o medo e a tristeza para ajuda-los a nascer para a vida eterna. Acho que fui mais bem sucedida da segunda vez, era tão jovem durante a doença da minha mãe…
Como já disse tão bem o Dennis D. na ocasião do falecimento do meu pai, os buracos da alma ficam. Quanto a isso nada há para ser feito. É bom saber, no entanto, que há esta irmandade e esta humanidade à nossa volta que também sofre, que também sente. Se a minha dor ajuda a confortar a sua, saiba que a sua também ajuda a confortar a minha. Saiba com toda a segurança que estamos, sim, ligadas, e que isto é muito bom.
Bem vinda ao meu coração 🙂
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Presente
Ganhei de presente de um mais que querido amigo esta linda animação de um trecho da ópera Madama Butterfly de Puccini. Confiança de Cio-Cio-San no retorno de seu amor, no início do Ato II, como narra a Wikipedia:
Pinkerton regressou aos Estados Unidos; prometeu, porém, que voltaria “quando os pintarroxos fizerem os seus ninhos.” Já se passaram três anos. Butterfly chora, e Suzuki reza o tempo inteiro, ajoelhada diante da imagem do Buda. Suzuki diz a Butterfly que suspeita que seu marido não voltará mais. “Cala a boca, ou te mato!”, responde Butterfly. Ela chora, mas não perde a esperança: Un bel dì vedremo – um belo dia veremos um fio de fumaça no horizonte – o navio de Pinkerton!
Momento de eterna beleza, um amor inocente e confiante, ainda não machucado pela realidade sórdida de Pinkerton. Fica de presente para vocês, com um beijo.
Un bel dì, vedremo
levarsi un fil di fumo sull’estremo
confin del mare.
E poi la nave appare.
Poi la nave bianca
entra nel porto, romba il suo saluto.
Vedi? È venuto!
Io non gli scendo incontro. Io no. Mi metto
là sul ciglio del colle e aspetto, e aspetto
gran tempo e non mi pesa,
la lunga attesa.
E… uscito dalla folla cittadina
un uomo, un picciol punto
s’avvia per la collina.
Chi sarà? chi sarà?
E come sarà giunto
che dirà? che dirà?
Chiamerà Butterfly dalla lontana.
Io senza dar risposta
me ne starò nascosta
un po’ per celia e un po’ per non morire
al primo incontro, ed egli alquanto in pena
chiamerà, chiamerà:
Piccina mogliettina
olezzo di verbena,
i nomi che mi dava al suo venire.
[a Suzuki]
Tutto questo avverrà, te lo prometto.
Tienti la tua paura, io con sicura
fede l’aspetto. -
Sonho de Rosas
Hoje à noite tive um sonho. Neste sonho estava num jardim, num pequeno canteiro, com antigas roseiras. As roseiras estavam cheias de botões, mas sufocadas pelas folhas mortas, seus galhos emaranhados como por forte vento, a terra ressecada. Que dó me deu ver aquelas veneráveis roseiras abandonadas assim.
Lá fui eu, vagarosamente separei os galhos emaranhados, retirei uma a uma as folhas mortas que ainda estavam penduradas nos galhos, varri o chão, reguei, dei uma remexida na terra do canteiro, coloquei terra nova e adubada por cima. Recolhi o lixo todo, me preparava para levar tudo para um depósito qualquer, quando uma voz me avisou: “Sue, olha…”
As três roseiras – eu disse que eram três? – estavam vivas, vibrantes, desabrochadas. A mais próxima de mim, à minha direita, tinha rosas amarelas, de um amarelo tão intenso que mais pareciam douradas, umas rosas sem espinho, lisas, que abriam como pequenos cálices de ouro. As rosas pareciam me dizer “somos a Amizade”.
No canto mais distante de mim, uma roseira de rosas malva, cor de aurora. Suaves, mais miúdas que as outras, desabrochavam em pequenos cachos de manhã. Como criancinhas rosadas, estas rosas me diziam, em coro, “somos os Dons da Alma”…
No canto esquerdo, a maior roseira de todas. Ameaçadora com seus espinhos – fôra a que dera maior trabalho para limpar, como os arranhões em minhas mãos podiam atestar –, eu podia ver que, nela, o trabalho ainda não estava terminado. No entanto, sua resposta aos meus cuidados era ainda mais generosa que a das outras duas. Rosas rubras, enormes, abertas como imensos cataventos sanguíneos, me olhavam silenciosas. Não me diziam o que eram, mas quando eu perguntei seus nomes, elas apenas me perguntaram o que eu pretendia plantar no canto que estava vago, bem à minha frente.
Repentinamente percebi que havia um toco morto diante de mim. Eu olhei para a roseira-sangue, e já que ela não me dizia o que ela representava, perguntei que roseira era aquela que jazia morta ali. As flores da roseira desabrocharam ainda mais, e responderam, pesarosas: “Esta é a Paixão. Ela morreu faz pouco tempo”. Olhei para a roseira morta, e entendi a pontada que senti no peito ao olhar para aquele tronco seco. Comentei em voz alta e um pouco embargada que não tinha ferramentas para arrancar aquelas raízes profundas.
“Escolhe uma muda e deposita no côncavo que você vê em cima deste toco“, foi a resposta. Dei conta que havia uma bandeja de mudas, bem ao alcance da minha mão direita, e eram todas jovens roseiras das mais variadas cores. Intrigada, examinei todas. A que me chamou mais atenção foi uma muda que possuía uma única rosa branca.
Branca? Não exatamente. As bordas de suas pétalas tinham cores diferentes, fios coloridos em suas pontas. O centro do botão tinha este arremate em amarelo bem clarinho, e as cores iam ficando mais vivas à medida que as fieiras de pétalas se aproximavam da parte de fora, passando do laranja para o rosa-chá, para o rosa claro e o rosa profundo, chegando ao arremate de um vermelho muito parecido com a da roseira rubra. Parecia uma rosa que continha todas as outras rosas dentro dela. E o branco era de uma perfeição aveludada que me encantou, nem esverdeado nem amarelado, como algumas vezes costumam ser as rosas brancas, mas tinha o branco muito alvo das margaridas.
Silenciosamente retirei esta muda da bandeja e removi o saco plástico que envolvia suas raízes. Ajoelhei-me, depositei com cuidado aquela única rosa branca e sua pequenina roseira no côncavo da paixão morta. Uma coisa extraordinária aconteceu… a pequena muda se fundiu com a antiga raiz e começou a crescer numa velocidade espantosa, até virar uma roseira adulta. Entretanto, a rosa multicor que estava desabrochada, retraiu-se até virar novamente um botão!
Tonta, olhei para as rosas-sangue numa pergunta muda. A resposta veio num doce murmúrio interior:
“Você escolheu o Amor, que é a reunião de todas nós. Mas o amor necessita de dois. Enquanto o segundo não visitar este jardim, esta rosa permanece em botão, e nós seremos suas guardiãs. Mas você não deve deixar de regá-la com suas lágrimas, de adubá-la com seus sorrisos. E de vir nos visitar de tempos em tempos. Precisamos muito destes cuidados seus…”
– Quem SÃO as rosas rubras? perguntei entre assustada e impaciente.
“Quem guarda as amizades e o amor, e distribui os dons da alma?” foi a resposta.
– Ah, é o coração! respondi.
E acordei.
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Ocean Gypsy
(M. Dunford / B. Tatcher)© Turn of the Cards Music
Try to take it all away, learn her freedom just inside a day
And find her soul to find their fears allayed
Try to make her love their own, they took her love, they left her there
They gave her nothing back that she would want to own
Gold and silver, rings and stones, dances slowly off the moon
No one else could know, she stands alone
Sleeping dreams would reach for her, she cannot say the words they need
She knows she’s alone and she is free
Ocean Gypsy of the Moon
The Sun has made a thousand nights for you to hold
Ocean Gypsy, where are you?
Shadows followed by the stars have turned to gold, turned to gold
Then she met a hollow soul, filled him with her light and was consoled
She was the Moon and he the Sun was gold
Eyes were blinded with his light, the sun she gave reflected back the night
The Moon was waning almost out of sight
Softly Ocean Gypsy calls, silence holds the stars awhile
They smile sadly for her where she falls
Just the time before the dawn, the sea is hushed, the ocean calls her
Day has taken her, and now she’s gone.
Ocean Gypsy of the Moon
The Sun has made a thousand nights for you to hold
Ocean Gypsy, where are you?
Shadows followed by the stars have turned to gold, turned to gold
No one noticed when she died, Ocean Gypsy shackled to the tide
The ebbing waves returning, spreading wide
Something gone within her eyes, her fingers lifeless struck the sand
Her battered soul was lost, she was abandoned
Silken threads like wings still shine, winds take pleasure, still make patterns
In her lovely hair, so dark and fine
Stands on high beneath the seas, cries no more, her tears have dried
“Oceans weep for her”, the ocean sighs
Ocean Gypsy of the Moon
The Sun has made a thousand nights for you to hold
Ocean Gypsy, where are you?
Shadows followed by the stars have turned to gold, turned to gold
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Borboleta no jardim (tradução do post anterior)
“Marina viu uma borboleta voando no jardim. Ela não se surpreendeu com o fato da borboleta voar direto, atravessando o jardim, já que não achara coisa alguma bela para olhar, flor alguma na qual repousar. Ela adorava o modo de voar das borboletas. Sem linhas retas, sem pressa de chegar a algum lugar. Para cima e para baixo, para frente e para trás.
Então a borboleta parou. Ela não parara no jardim, mas decidira vir sentar na janela e olhar para Marina. Ela olhava para o ser sentado na janela, olhando para dentro. Este movia suas asas como a dizer olá, e quando Marina não respondeu, a borboleta decidiu enviar uma mensagem em código. Ao menos, é o que parecia para Marina. A borboleta batia na janela, primeiro com uma asa e depois com a outra, como se realmente estivesse enviando uma mensagem.
O problema era que Marina não entendia o código que a borboleta estava usando. Ela não entendia qualquer código de envio de mensagens. Em alguns momentos ela pensava que ela não tinha talento algum para se comunicar em qualquer idioma. Ela certamente não acreditava ter talento para se comunicar com Tom, de uns tempos para cá.(…)
Ela estendeu a mão para a borboleta. Encostou a mão na janela, enviando pequenas mensagens de volta para ela. Elas ficaram fazendo isso, dedos e asas batendo contra a janela, ambas satisfeitas em ficar ali e contemplar uma à outra por algum tempo.
O que pensava a borboleta dela, vivendo naquela casa, entre quatro paredes? O que ela sabia sobre as linhas retas nas quais as pessoas viviam? Escola, universidade, empregos; família, amigos, namorados, marido, filhos; quarto, apartamento, casa, casa maior, casa maior com jardim. Será que a borboleta se perguntava porque Marina não voava como ela – aqui e ali, para cima e para baixo, para frente e para trás – movendo-se onde quisesse, quando quisesse? Marina olhava para a borboleta e se perguntava a mesma coisa. Então, ela se lembrou de algo.
Ela havia lido em um jornal algo sobre uma teoria que tudo no mundo é entrelaçado. Se você muda uma coisa, então esta coisa irá modificar outras coisas também. Ela se lembrava do exemplo que eles deram: uma borboleta pousa em uma flor em algum lugar do oriente e isto modifica uma outra coisa, e então uma terceira coisa muda e uma outra e uma outra, até que, finalmente, acontece um terremoto no ocidente, a milhares de milhas de distâncias.
Marina observou a borboleta e perguntou: ‘Que mudanças você trará à minha vida? Haverá um terremoto em algum lugar do mundo hoje? Haverá um terremoto em minha vida?’ Ela sorriu ao considerar os próprios pensamentos e então espalmou a mão do outro lado da janela. Ela convidou a borboleta a entrar e pousar em sua mão. Mas a borboleta desapareceu no instante que a porta da frente se abriu e Tom entrou em casa.”
(O Homem que Passava, por Collin Campbell; tradução, Assunção Medeiros)
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